Rapper mineiro traz narrativas sociais e depoimentos pessoais em seu quarto álbum

Seguindo a tradição de sua carreira, o dia 13 de março deste ano foi marcado por mais um
disco do rapper Djonga, intitulado Histórias da Minha Área. Com produção de
Coyote Beatz e Renan Samam e parcerias com Bia Nogueira, Cristal, FBC, NBC Borges e
Mc Don Juan, o álbum traz uma narrativa de protesto e dose de realidade em meio a um
cenário delicado humanitária e politicamente, com referências muito sutis do trap e funk,
algo já muito conhecido e recém indicado ao BET, importante prêmio do hip hop no EUA, de Gustavo (Djonga), que sempre deixou claro a importância em
sua música.

Após três projetos bem sucedidos e consagrados nas ruas, Djonga começa a sentir o peso de ser considerado um dos maiores nomes do rap na atualidade, como ele disse “De tanto usar referência, virei referência”. As grandes entregas nos últimos discos trouxeram altas expectativas para esse trabalho.

Seu quarto disco já inicia seu impacto na arte emblemática da capa, uma fotografia com o rapper e mais quatro amigos vivos, e seus cadáveres baleados no chão, de uma favela. A produção foi feita por Alvinho Caverna, da Caverna Studios, e o fotógrafo Daniel Assis, do 176 Estúdio. Essa não é a primeira vez que vemos um trabalho forte na capa de seus discos, em Ladrão, seu terceiro álbum, o mineiro aparece ensanguentado na sala da casa de sua avó.

Fonte: Divulgação

Histórias da Minha Área é uma celebração às origens de Djonga e, não necessariamente, um lugar físico e como esse lugar influenciou toda sua trajetória. Diferente de Ladrão e O Menino que Queria Ser Deus, que traziam narrativas muito pessoais, falando de ancestralidade, esse álbum, traz um olhar sob violência, morte e perspectivas dos jovens pretos que nascem em um país tão racista quanto o Brasil, baseando-se muito em suas próprias experiências.

Além de música, Djonga fala de histórias de pessoas reais

Eu ‘tava lá, eu vi acontecer (tudo)
To chei’ de ódio e saudades de você (amigo)
Essa é pros amigo que partiu pr’uma melhor
Eu canto pra subir, mano, eu não sei rezar

Não Sei Rezar – Faixa 2

Apesar de uma produção mais crua, o quarto disco traz composições que dilaceram uma ferida aberta em nosso país que é o genocídio negro, desde a capa até as letras. Na faixa de abertura, O Cara de Óculos, em parceria com Bia Nogueira, atriz da peça Madame Satã da qual Gustavo também participou, expõe a realidade do jovem preto e favelado que é ensinado desde cedo, qual é seu lugar e aprende a lidar com injustiças para se manter vivo.

A faixa se conecta com a densa Não Sei Rezar, onde Gustavo canta em memória de seus amigos que já faleceram. A letra sangra uma mágoa e a vontade de vingança, tratando de como a expectativa de vida de jovens negros é curta. O Atlas da Violência mostrou que 75,5% dos assassinatos que aconteceram no Brasil foram de vítimas negras.

Em Oto Patamá, Djonga celebra o lugar de onde veio, falando de como sua origem o guiou para o êxito.

E depois da díade de protesto e mágoa, ele fala de amor, não apenas seu lado bonito. Na música Todo Errado, o rapper conta sobre trair e ser traído e seu estilo cafajeste, fugindo a narrativa comum dos raps, de que nenhum homem é traído.

Na quinta faixa álbum, Gelo, o MC conta a parceria de NBC Borges, rapper carioca, e FBC, rapper mineiro que trabalhou com Djonga no extinto coletivo DV Tribo, traz a boa e velha pegada do rap boom bap, com um beat descontraído, ostentando todas as conquistas dos rappers.

Ganhei fama e dinheiro, mas perdi minha liberdade
Foi pros meu fã, pelo menos não foi na mão dos ‘homi’

Gelo – Faixa 5

Hoje Não, é a sexta música do disco e conta com um vídeo clipe super bem produzido, ela volta seca com o ar crítico do álbum, alfinetando toda uma camada “superior” e branca da sociedade e a polícia. Na letra, Djonga toca no tópico dos assassinatos de crianças pela polícia no Rio de Janeiro. O rapper traz uma narrativa diferente do que se espera, falando do sucesso de homem preto que furou sua bolha.

Trazendo sua forte influência do funk para esse trabalho, Mania, com participação do MC Don Juan, é a clássica love song que se espera, com um beat bem comum e uma pegada clássica do funk, mas ainda assim é chiclete.

Gustavo que é pai de Jorge (3 anos) e Iolanda (1 ano), sempre procura maneiras de falar de como a paternidade mudou sua pessoa e percepção de mundo, assim como Canção Para o Meu Filho, parte do disco O Menino que Queria Ser Deus (2018). Mostrando-se mais vulnerável e até mesmo mais humilde, o rapper traz em Procuro Alguém uma letra sensível e forte ao mesmo tempo, dedicada à filha caçula.

São tempos difíceis, pessoas artificiais
Pra ir ao luxo, anos, pra voltar ao lixo, meses
Sei que ‘cê guenta pois toda mulher nasce de outra mulher
Por isso são fortes duas vezes

Procuro Alguém – Faixa 8

Junto com Cristal, nome promissor no RAP brasileiro, antepenúltima música escolhida para o álbum é Deus Dará, a letra forte que fala sobre ascensão, mas com uma advertência aos artistas que alcançam o topo e esquecem suas raízes. E para fechar o disco, Amr Sinto Falta Nssa Ksa, produzido por Renan Salam, apesar de ser uma love song com um beat lo-fi e referências do Jazz, a letra traz um desabafo sobre toda a pressão de ser um artista e estar longe dos seus, na maior parte do tempo. Apesar de linda e uma das minhas favoritas, a música perde um pouco de seu impacto por ter vindo logo após Deus Dára.

Mas e aí, é um bom álbum?

Histórias da Minha Área, de fato, não é o meu álbum favorito da discografia de Djonga, mas é impossível contestar o talento do rapper mineiro. O disco traz letras fortes com críticas e protestos pertinentes para todo o cenário. 

O trabalho é bem amarrado, apesar da disposição da última faixa, com uma lírica bem pensada e em muitos momentos é possível se relacionar com a história narrada por Djonga e dá abertura para diversas reflexões. Ele tem um toque muito pessoal e único de escrever o que traz muita conectividade com o álbum. Aguardo ansiosamente por um show desse trampo.

2 comentários em “‘Sou história na minha área’: A coroa de Djonga começa a pesar pelas altas expectativas de seu público

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